Usuários de redes sociais, sobretudo os mais jovens, podem ter problemas de autoestima e de saúde mental com o uso indiscriminado dos chamados filtros de imagem, recursos utilizados para incrementar as imagens postadas, buscando excluir “imperfeições” e “melhorar” os aspectos de cada foto, ou mesmo colocar efeitos que a deixem mais divertida. Esta constatação já começa a aparecer em algumas pesquisas, a exemplo da realizada entre maio e junho de 2022, por encomenda da multinacional Allergan Aesthetics.
No estudo, com 650 pessoas entre 18 e 50 anos em oito capitais brasileiras, 98% dos entrevistados afirmaram que as redes sociais exercem influência na autoestima de uma pessoa e 24% acreditam que esse impacto é negativo. Também na pesquisa, 93% afirmam concordam que o nível de cobrança estética se tornou irreal por conta do uso exagerado de filtros; 40% admitiram usar filtros nas próprias fotos com frequência (e outros 37% ocasionalmente); e 63% conhecem ou ouviram falar de pessoas que já tenham deixado de sair de casa ou de ir a algum encontro por não quererem ser vistas sem os filtros de imagem.
Estes resultados ganham relevância por terem como cenário um dos países que mais utilizam redes sociais em todo o mundo. Conforme um relatório divulgado em fevereiro pela consultoria de tecnologia Kepios, de Cingapura. O levantamento aponta que havia 181,8 milhões de usuários de internet no Brasil em janeiro deste ano, quando a penetração da internet era de 84,3%. Desse total de pessoas com acesso à “grande rede”, 152,4 milhões utilizavam as mídias sociais, o que equivale a 70,6% da população total. O país tem ainda 221,0 milhões de conexões móveis celulares ativas.
Outro estudo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada em 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que o número de pessoas maiores de 10 anos que utilizam a internet em qualquer lugar somou 84,7% em 2021, contra 79,5% de 2019. E desse contingente, 98,8% utilizam o telefone celular para ter acesso à “grande rede”, sobretudo para assistir a vídeos, fazer chamadas ou enviar e receber mensagens de texto, voz ou imagem.
Especialistas que estudam o tema concordam que a internet deixou de ser apenas uma ferramenta de entretenimento e passou a ser um importante recurso de comunicação, econômico e funcional, a ponto de modificar a forma de relacionamento dos indivíduos. isso se evidencia no fato de muitas pessoas passarem boa parte do tempo em ambiente virtual, principalmente, nas redes sociais. O próprio relatório da Kepios, que se baseou em dados de recursos publicitários das empresas Meta e ByteDance, afirma que as principais redes sociais utilizadas no Brasil são o Instagram (113,5 milhões de usuários, o Facebook (109,1 milhões) e o TikTok (82,21 milhões).
O Instagram possibilita aos usuários o compartilhamento de fotos, aplicação de filtros e criação de vídeos em tempo real, além da possibilidade de publicar, sincronicamente, em outras redes como Facebook, Twitter, Tumblr e Flickr. “Atualmente, percebe-se que os jovens, ao utilizarem o Instagram, sentem a necessidade de aprovação de um público, boa parte, desconhecido, à espera de curtidas ou comentário positivo, ou seja, observa-se uma corrida acirrada por aceitação efêmera da ‘sociedade’. Entretanto, tal exposição pode gerar impactos positivos como negativos na autoestima, principalmente, de adolescentes e jovens. Sabe-se que o ser humano vive em busca acelerada pela felicidade e isso inclui ser aceito nas redes sociais a partir de um padrão social”, diz a professora Glessiane de Oliveira Almeida, do curso de Psicologia da Faculdade São Luís de França (FSLF).
As redes sociais têm ajudado a estreitar os relacionamentos de amizade e de divertimento. No entanto, há o alerta de que seu uso indiscriminado, sem organização de tempo e objetivo claro, pode ser prejudicial, causando impactos negativos na autoestima dos indivíduos. Isso se dá a partir de comentários negativos dos chamados “haters” e da atenção excessiva aos números de engajamento de cada postagem, como visualizações e “curtidas”.
Segundo a psicóloga, o uso de filtros está atrelado ao ‘está no padrão social’ e consequentemente, uma ‘porta de entrada para felicidade’. Por esse motivo, em alguns casos, os jovens tendem a se isolar para não se apresentar perante a sociedade, sem o uso de filtros. “É comum que jovens sejam influenciados por personalidades digitais referente à aparência corporal, comportamento, vestimenta, propiciando ao indivíduo a construção da imagem de si, a partir dos estereótipos que predominam em seu meio social”, pontua Glessiane.
Saúde mental afetada
Essa pressão causada pela necessidade de autoafirmação e aceitação, vem sendo apontada como o ponto de conexão entre o uso das redes sociais e o desenvolvimento de problemas de saúde mental entre os mais jovens. A professora da FSLF alerta que tal influência estimula o surgimento de formas distintas de subjetivação, podendo provocar sofrimento psíquico, a exemplo de transtornos de ansiedade, bulimia, anorexia, depressão e/ou até o suicídio, visto que a visão real do corpo é diferente do ‘ideal’ publicado nesses perfis”, ressaltou.
Diante dessa realidade apresentada, profissionais de saúde mental têm discutido até que ponto os conteúdos digitais, os objetivos e valores oriundos do ciberespaço tem impactado na autoimagem desses jovens. Fortalecer redes de apoio, ventilando informações a partir dos recursos utilizados por esses jovens, é o início de uma discussão ainda mais incisiva sobre a temática em questão.
Glessiane destaca que os profissionais de Psicologia, dentro desse contexto e como parte de equipes multidisciplinares, tendem a exercer um papel fundamental para que, a partir de um olhar crítico e com responsabilidade social, consiga orientar e tratar possíveis transtornos de distorção da autoimagem, ajudando cada pessoa a lidar com suas emoções e orientando mudanças necessárias para o fortalecimento do seu self. “É importante frisar que a internet veio para potencializar e melhorar as relações, no entanto, é preciso maturidade psicológica para usufruir desse potencial que está ao alcance de todos (as), para não tornar essa ferramenta prejudicial à própria saúde mental”, conclui ela.